segunda-feira, 10 de março de 2008

Direitos sexuais

Liberdade de casar ou permanecer solteira e outros temas para reflexão

Portanto, acerca do casamento,
a única autonomia que o casal detinha
era a liberdade de casar ou não casar,
sendo que a partir deste ponto somente
a lei estabelece as condições


O anseio de liberdade é o motor que move o indivíduo. Em âmbito individual, o ser humano aspira por uma existência livre e, como membro do grupo social, almeja ao livre relacionamento com os demais. Certamente, o maior impulsor do comportamento das pessoas é viver a vida conforme sua própria vontade, tomar as próprias decisões apesar dos riscos inerentes, seja, melhorar ou piorar sua vida e o meio em que vive.
Não podemos olvidar que entre os gregos e romanos a liberdade parecia ser mais importante que a vida, tanto que a morte apresentava-se como a solução ante a desonra da escravidão. Assim, a vida, o corpo, a liberdade de ir e de vir, agir, constituem impulsos naturais no ser humano. A partir destes anseios é que foram elaborados todos os conceitos jurídicos modernos sobre a dignidade humana e direitos fundamentais.

Portanto, acerca do casamento, a única autonomia que o casal detinha era a liberdade de casar ou não casar, sendo que a partir deste ponto somente a lei estabelece as condições
Por isso, em tese, o tema liberdade, como valor, permanece com atualidade cada vez maior. Entretanto, nem sempre isso reflete o grau de liberdade usufruído pelos indivíduos, nos seus inter-relacionamentos. Esta liberdade pode ser medida através do grau de autonomia privada concedida ao individuo, pela lei. Enquanto nas relações contratuais e empresariais todo pacto é livre, quer dizer, permitido desde que não seja proibido por lei, de modo diametralmente oposto operam as regras jurídicas no âmbito dos vínculos interpessoais mais íntimos, como afeto, sexo, casamento.

Nesta esfera, considerada pelo Direito como a mais sensível, por tratar-se dos costumes, valores e conceitos do que seja moral, imoral, ou nocivo à sociedade, o Estado, através de uma dogmática de família tradicional e rígida, interfere nas relações íntimas impondo regras também rígidas (direito de família e sucessões), usando como instrumento normas cogentes, imperativas, porque não podem ser objeto de livre pacto entre os interessados, já que sua destinação não se restringe a controlar conduta individual, mas à proteção da sociedade e da instituição da família.

Agora a má notícia: depois de entrar em vigor o código civil de 2002, a pouca autonomia que Direito brasileiro de família concedia aos apaixonados - a autonomia de casar ou não casar- foi banida. A nova lei transforma em figura matrimonial todo relacionamento público, contínuo e duradouro entre homem e mulher, "com o objetivo de constituir família". Disso resulta que, existe a possibilidade de serem considerados casados, não só quando os dois membros do casal consentem, mas também, quando um deles não quer, e até mesmo (pasmem) quando nenhum dos dois quer! Portanto, acerca do casamento, a única autonomia que o casal detinha era a liberdade de casar ou não casar, sendo que a partir deste ponto somente a lei estabelece as condições.

Atualmente, na fase post código civil de 2002, nem esta liberdade restou. Estas distorções da lei e do direito no que se refere à família e ao casamento têm como origem no tipo de sistema jurídico no qual se encontram inseridos, e do qual já falamos antes: sistema imperativo de ordem pública. Sem dúvida, estamos diante de questões relevantes e que afetam a vida de todos, sendo que a solução está nas mãos da sociedade civil, a única que tem legitimidade para discutir questões existenciais essenciais. É forçoso, mas temos que admitir que em pleno século XXI, somente os movimentos homossexuais tiveram a coragem de admitir, e avançar, nas questões relativas aos direitos sexuais.



Elena Pereira-Rodrigues é advogada, mestranda em Direito Civil pela Universidade Nacional de Rosário (Argentina). Tem longa trajetória na luta feminista, tendo atuado como uma das delegadas na fundação da Confederação da Mulheres do Brasil. Leia mais deste autor.

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