segunda-feira, 10 de março de 2008

E os filhos?

A atual lei civil desprivilegia os filhos na hora da herança


Esta nova disposição, com relação às sucessões,
diretamente desprotege os filhos, ainda mais,
no caso de filhos menores ou incapazes...


A maior parte dos doutrinadores do direito fazem coro sobre a "despatrimonialização" do novo direito de família. Mas, ao contrário do pregado, o direito de família do código de 2002 aumentou a carga patrimonial deste ramo do direito, pelo menos, em relação ao casamento e à união estável. Isto porque, a atual lei civil, além de manter todos os efeitos patrimoniais da lei civil anterior, também os ampliou.

Primeiro, outorgando à União Estável todos os efeitos patrimoniais do casamento formal, em segundo lugar, como grande novidade do direito civil atual, a inclusão do cônjuge (ou convivente) sobrevivente, como herdeiro necessário do falecido.

Na lei civil anterior, herdeiros necessários do patrimônio do falecido eram exclusivamente os descendentes e os ascendentes. Não é necessário possuir formação na área do direito, para perceber que esta providencia legislativa é sinal evidente da maior patrimonialização das relações familiares em comparação com a lei civil anterior. Disto resulta que, no caso de morte de um dos cônjuges, o patrimônio adquirido durante o casamento será dividido com o cônjuge sobrevivente e os herdeiros do morto. Entre eles, é claro, o cônjuge que já recebeu a sua "meação", mas que neste instante é também herdeiro (com exceção do casal com regime de comunhão universal de bens), irá receber sua parte na herança, que poderá ser o mesmo que cada um dos filhos do morto.

Quer dizer, o cônjuge sobrevivente que já era meeiro, agora é também herdeiro necessário (isto significa que não pode ser preterido por testamento, que se restringe somente à parte disponível, seja, a metade do patrimônio).
Esta nova disposição, com relação às sucessões, diretamente desprotege os filhos, ainda mais, no caso de filhos menores ou incapazes

Esta nova disposição, com relação às sucessões, diretamente desprotege os filhos, ainda mais, no caso de filhos menores ou incapazes. Sem dúvida, do ponto de vista doutrinário e também prático, se apresenta hoje, uma situação paradoxal: se por um lado, a doutrina, quase uníssona, destaca o afastamento do direito de família do aspecto patrimonial, e proclama sua personalização, seja, a relevância jurídica da pessoa, tendo o amor que une o casal como fundamento maior e central das relações matrimoniais, por outro lado, ao redigir a lei, cria disposições legislativas completamente divorciadas da doutrina e cada vez mais, patrimonializadas.

Este é apenas um dos aspectos que aguardam discussão (e muitos mais) pela sociedade civil. Até porque quando surgiram as uniões informais, o grande anseio embutido na relação era o amar sem comprometimentos patrimoniais, aspecto grandemente negativo, e que, certamente, desequilibra a balança do amor.



Elena Pereira-Rodrigues é advogada, mestranda em Direito Civil pela Universidade Nacional de Rosário (Argentina). Tem longa trajetória na luta feminista, tendo atuado como uma das delegadas na fundação da Confederação da Mulheres do Brasil. Leia mais deste autor.

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