domingo, 6 de abril de 2008

Gostos do praceiro / Flexibilidade demais, tb gera problemas...

Fixação em pornografia não deixa que a vida afetiva se desenvolva

Cada vez mais pessoas dependem da pornografia para se animar sexualmente. É como se elas precisassem do sexo dos outros para se excitar. Na verdade, quase todo casal, por curiosidade, uma vez ou outra experimenta algo pornô. Mas muitos se assustam quando seu par só quer saber de ver cenas sexuais alheias, em vez de se interessar pela intimidade do próprio casal.

por Paulo Sternick*

Com tantas ofertas sedutoras hoje, poucos casais deixam de ser fisgados em aventuras ligadas à pornografia. Muitos o fazem só como brincadeira; outros por curiosidade ou para debochar. Mas há pares em que o uso é freqüente, chegando ao extremo de serem incapazes de manter intimidade se não houver auxílio disso. Se os dois apreciam — questão de gosto à parte —, não chega a ser problema.

Mas, não raro, ele ou ela se chocam ao ver que o outro prefere ficar se excitando com pornografia, em vez de desfrutar o amor “ao vivo” entre eles. Não precisamos adotar falsos dilemas que inundam o pensamento e nos pressionam a escolher uma coisa ou outra. Por exemplo: se não gostamos da pornografia, seríamos moralistas; ou se gostamos seríamos indecentes.

Tudo isso é mais complexo. Origina-se das fantasias infantis de todos nós e da capacidade ou não de tolerar os limites naturais e intransponíveis da satisfação do desejo. E se temos condições de nos relacionar de forma emocionalmente íntima com outra pessoa, não só com o seu corpo ou partes dele. Nem todo mundo atinge esse grau de crescimento. Captando os defeitos da espécie, Karl Kraus, um espirituoso escritor vienense, afirmou: “A relação sexual é uma substituta insatisfatória da masturbação”.

Sigmund Freud comentou que esta “cínica observação” de Kraus confirmava seus achados, de que nas imaginações sexuais das pessoas os parceiros são tão fantásticos que não podem ser encontrados na realidade. Mas vão ser caçados na imaginação e na fantasia! Ou seja, se os coloridos personagens dos delírios sexuais não vivem no preto-ebranco da vida, as excitações provocadas pelos produtos pornográficos aproximam o indivíduo deste mundo de supostos prazeres ilimitados que apenas a imaginação poderia propiciar.

Mas isso ocorre com o prejuízo do desfrute de outras dimensões que existe entre as pessoas e da qual o viciado em pornografia se sente excluído. Afinal, de forma menos direta e grosseira, são causadoras de fortes estímulos sexuais as instigantes conversas ou programas descontraídos que revelam detalhes da maneira de ser, do rosto e do corpo do outro; cada pessoa pode ser um personagem erótico por si mesma. Enfim, várias são as situações humanas propícias a expressar a intimidade e a estimular o apetite amoroso.

Mas a dependência estrita da pornografia indica achatamento afetivo e mental. Não há subjetividade, só corpos e órgãos. Há fixação nas imagens sexuais infantis proibidas. Independente da idade, é na posição de atrevidas crianças voyeurs que o olhar lascivo, e sob alucinação, se excita com a sexualidade dos adultos. Na cultura atual, a tendência ganha reforço, pois há influência das imagens: a mídia nos atinge num verdadeiro tsunami de megaondas comunicacionais que arrastam e apagam a diferença entre o virtual e o real.

Isso induz ao uso da pornografia e o costume de ver a sexualidade como algo que só pode surgir inicialmente das imagens do “buraco da fechadura”, da visão da cena sexual alheia, do espelho erótico da mídia. Surgem novas figuras de identificação e o homem tenta imitar personagens pornôs e exige da mulher atitudes dos filmes eróticos, como se o casal não tivesse liberdade para inventar a própria sexualidade e não fosse a fonte dela.
A pornografia deixa, então, de ser transgressão para se converter em submissão.

* Paulo Sternick é psicanalista no Rio de Janeiro e em Teresópolis (RJ). E-mail: psternick@rjnet.com.br




Flexibilidade é essencial, mas às vezes também provoca problemas

Numa relação amorosa, é fundamental que os parceiros sejam flexíveis. A flexibilidade é uma forma de demonstrar afeto, desprendimento, compreensão, compaixão pelo outro. Parceiros flexíveis colaboram para a continuidade da união. Mas a flexibilidade também esconde perigos. Um deles são as concessões ocultas, que podem minar o relacionamento e colocá-lo em risco.

por Solange Rosset*

Para ter harmonia na vida a dois, é essencial que os parceiros sejam flexíveis. Mas eles devem refletir sobre até que ponto vale a pena ceder para agradar ao outro. Mais importante do que ser flexível é ter consciência e controle sobre os exercícios de flexibilidade. O bom senso precisa prevalecer. Ter flexibilidade pressupõe uma variada gama de atitudes e comportamentos que se reorganizam de acordo com as diferenças entre os parceiros e as mudanças que vão ocorrendo na vida a dois. A concessão é um dos instrumentos que garantem a continuidade do vínculo e uma forma de demonstrar afeto, compreensão, compaixão e desprendimento. Sem concessões, uma relação está fadada ao fracasso.

Mas também podem trazer dificuldades e problemas. Um dos perigos são as concessões ocultas que os parceiros fazem. Muitas vezes, nem a pessoa que as faz tem consciência de que está abrindo mão de desejos e posições. Como não são acertos explícitos, não podem ser negociados e vão minando interiormente. Podem gerar mágoas e a sensação de estarem sendo injustiçados. Outra questão que desencadeia muitos malentendidos são as concessões feitas com a expectativa de que o outro perceba e dê algo em troca. Como é comum ele nem perceber, ou receber o agrado sem se preocupar em retribuir, também geram mágoas e mal-estar.

Ao fazerem concessões, as pessoas se forçam a realizar coisas que, de outra forma, não desejariam realizar. Se a condescendência ou o sacrifício se revelarem mais difíceis ou desagradáveis e menos compensadores do que o previsto, a pessoa pode rebelar-se e tornar-se zangada ou arredia. O desejável é que cada um seja capaz de agradar ao parceiro e fortalecer a união sem se ressentir ou retrair. Quando um dos parceiros cede mais que o outro, a questão não é quanto um ou outro cede, mas o bem-estar que ambos sentem na relação. Se ceder traz harmonia e os dois não se sentem lesados, não existe problema.

Para evitar mágoas ao fazer a vontade do outro é essencial pensar que se trata de escolha e um investimento na relação e, portanto, não há motivo para queixas. Mas, se ceder é um jogo para ter poder, ou uma forma de cobrar depois, ou com a expectativa de que o outro também faça concessões, será um movimento disfuncional, que pode trazer outros dissabores. É comum que no início da relação a pessoa “aceite tudo”, mas passada essa fase a “bondade” se vá. Isso ocorre porque, durante a paixão, não se enxerga com clareza o outro nem a relação. Por essa razão se faz coisas que depois não trazem bem-estar.

Todo relacionamento precisa se adaptar a ciclos, tempos e contextos. Em cada fase o casal deve conversar e estabelecer novos ajustes e contratos. A melhor maneira de negociar é conversando, colocando seus sentimentos, ouvindo o que o parceiro tem a dizer, seus pontos de vista e seus sentimentos. Assim, a escolha por fazer uma concessão se torna uma forma de flexibilizar e enriquecer a relação.

Há dois exercícios na conversa sobre acertos e concessões que ajudam o casal a negociar: colocar-se no lugar do outro — percebendo, imaginando o que deseja, o que o agrada e desagrada — e falar dos próprios sentimentos, em vez de falar do que o outro faz — para que compreenda seus pontos de vista e não se sinta cobrado nem criticado. Quanto mais os dois fizerem concessões de forma consciente, mais amorosa pode ir ficando a relação.

* O escritor Deonísio da Silva é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor e vice-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, e autor de Os Segredos do Baú (Editora Peirópolis) e A Língua Nossa de Cada Dia (Editora Novo Século), entre outros 29 livros, alguns deles publicados também em outros países. Site: deonisio.com.br.

Quem deseja viver junto precisa aceitar os gostos do companheiro

Algumas pessoas têm dificuldade em admitir obstáculos à realização de seus desejos e, sem tolerar nem mesmo as pequenas divergências numa relação, acabam optando pela vida de solteiro. O casamento exige que se conviva com os gostos do outro, ainda que sejam muito diferentes dos nossos. Para isso são necessárias maturidade e tolerância, além do amor.

por Nahman Armony*

Em recente programa de TV, depoimentos de mulheres na faixa dos 30 anos davam como causa de separação as diferenças de gosto entre as partes do casal: enquanto ela aprecia a paisagem bucólica das montanhas, ele prefere divertir-se na praia; ela adora festas e ele odeia. Sem muito esforço, é possível multiplicar as possibilidades de divergências como essas: gostar ou não de cinema, de ar-condicionado, de visitas. Preferências que, na verdade, não são fundamentais para a vida de ninguém.

O apaixonamento passa por cima de todos os gostos. É um impulso avassalador, que leva tudo de roldão, na ânsia de abraçar e se fundir com a outra pessoa. Mas a paixão tem vida limitada. Se duas pessoas querem criar uma história comum, precisam se amar. Amor é carinho, companheirismo, ternura, confiança mútua, divisão de tarefas, satisfação de estar junto, mútuo amparo e outras coisas desse jaez.

O sexo da paixão explode na ânsia do entredevoramento; o sexo do amor surge do carinho, da ternura, do sentimento de gratidão.O ideal é que a paixão e o amor possam caminhar juntos. Sendo a paixão sentimento mais fugaz, a base de uma união estável só poderá ser o amor. Para que um e outro sentimento convivam é preciso que a linha sinuosa do amor seja periodicamente invadida por picos de paixão.

Céu claro do amor e céu tempestuoso da paixão. Choque cósmico de estrelas espalhando brilhos fascinantes nos corações e luz mansa das auroras e vésperas enchendo as almas de calmas belezas. Se a paixão é irresistível, o amor está sujeito a temperaturas e temperamentos. No entanto, pesquisas têm demonstrado que, apesar dos pesares, casados vivem mais que solteiros; as uniões estáveis permitem um maior relaxamento na presença de um parceiro amoroso, íntimo e confiável, facilitando a recuperação dos estresses da vida.

As mulheres que deram seus depoimentos no programa citado são realizadas social e financeiramente e podem escolher entre viver sozinhas ou ter companheiro. Mas o que as leva a decidir pela primeira opção? Por que dispensaram o companheiro por uma banal questão de gosto? Por que não tentaram resolver as divergências, ora satisfazendo o prazer de um, ora o do outro, ou, ainda, por que não tentaram conviver com elas, admitindo-se a possibilidade de que um fosse ao futebol enquanto o outro iria ao teatro? Tais iniciativas poderiam resolver a questão sem comprometer o básico da convivência.

Mas não foi o que ocorreu. Por quê? A pergunta merece pelo menos duas respostas. Parece-me que por trás da teimosia em não abrir mão de um gosto estava a necessidade de afirmação da individualidade. Ceder ao desejo do outro seria como abdicar de si mesmo, da essência da própria personalidade, tornando a pessoa um capacho, um nada. A questão deixa de ser aquilo de que se gosta ou não e passa a ser a conservação ou não da própria essência pessoal.A segunda resposta está ligada à primeira.

Estamos mergulhados em uma cultura individualista. O modo de criação dos filhos da geração que chega aos 30 anos foi o de não opor obstáculos aos seus desejos. As crianças desde cedo se acostumaram a impor suas vontades aos pais. E quando adultos não conseguem conviver com desejos que limitem os seus. É verdade que alguns procuram vencer o individualismo e lutam para aceitar as restrições às suas vontades. Alguns são bem-sucedidos enquanto outros se privam da delícia da íntima convivência amorosa.

Não se trata aqui de afirmar que um modo de vida é melhor que o outro. Enquanto Tom Jobim (1927-1994) nos diz que “é impossível ser feliz sozinho”, outros dizem que amor é ilusão e só traz sofrimento. Cada um escolhe o caminho que quer e pode. Mas a maioria dos poetas canta o amor e lamenta sua perda.

* Nahman Armony, médico psicanalista, é membro da Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle (Spid), do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro e da Federação Internacional das Sociedades Psicanalíticas. Publicou, entre outros livros, Borderline: Uma Outra Normalidade.

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