domingo, 6 de abril de 2008




Por que algumas pessoas, depois da conquista, desistem do conquistado

Esse fenômeno ocorre com parte das pessoas. Suas raízes se estendem aos primórdios da vida do bebê e tem a ver com o balanceamento entre afeto e cuidados corporais fornecidos pela mãe.Uma das conseqüências de um mau balanceamento pode ser o desenvolvimento, na vida adulta,do medo de intimidade, tendo como conseqüência o comportamento de conquista e abandono.

por Nahman Armony*

Há um elemento nas relações amorosas que merece análise, pois pode interferir no estabelecimento de uma parceria. Refiro-me à idéia de “conquista”. Nesse caso, a aproximação amorosa teria seu desfecho quando uma das partes se revelasse tão apaixonada que nada mais poderia negar ao amado.

Estaria então realizada a conquista e o desvalorizado objeto de amor, agora à mercê do vitorioso, já pode ser abandonado. É a isso que dou o nome de “conquista”. Tem mais a ver com potência, autoafirmação e vingança do que com ternura e afeto. Mas a conquista é impossível na ausência absoluta de afeto. Então, o que em geral mais encontramos é a mistura de desejo pelo outro com o prazer do triunfo.

Como ocorre bastante, um olhar penetrante na infância nos guiará no nó labiríntico de sentimentos que constituem o amor. Destaco dois aspectos polares — a conquista e a aproximação mútua — de uma mistura complexa que é a atração erótica. Na primeira etapa de vida, o amor erótico vai surgindo e se consolidando no recebimento de ternura, leite, cuidados físicos e carinho.

Mais adiante, tendo já a criança adquirido uma inicial capacidade de discernimento, sente a mãe como conquistada; é uma mãe que pode ser manipulada para fornecer bens que, apesar da resistência materna, a criança deseja. Refirome a objetos aos quais a criança só tem acesso pela mãe, como roupas e guloseimas. Ela experimenta um poder sobre a mãe ao vencer sua relutância em fornecer tais objetos.

Esse é o componente de conquista do amor infantil. A mãe que sabe exercer uma intimidade carinhosa, sabe trocar afetos e atender com critério a parte das demandas materiais do filho, estará preparando um ser capaz de lidar com os contraditórios sentimentos da relação amorosa. Mães insensíveis, que não percebem as demandas de afeto do filho, mas atendem aos seus pedidos materiais, poderão criar uma conjuntura na qual a rejeição de intimidade com a conseqüente incompreensão afetiva convive com o sentimento de capacidade da criança de provocar comportamentos objetivos e obter artefatos.

Para não se sentir rejeitada, a criança evita pedir afeto, concentrando-se naquilo que obtém pelo controle e manipulação da mãe: comportamentos objetivos e objetos materiais. A criança desiste da mãe afetiva. Isso, transportado para a idade adulta, resulta em conquistar e repudiar, usufruindo o parceiro por um tempo e abandonandoo antes que se concretizem os temores de se sentir incompreendido. A relação de afeto fica ofuscada pelas demandas objetivas e materiais. É próprio das demandas materiais exigir a toda hora novos objetos.

E o parceiro, transformado em objeto, é trocado por outro antes que manifeste o seu presumido comportamento de insensibilidade. A relação se alicerça então na dominação, e não na compreensão. As dosagens de mutualidade e conquista erótica em uma relação dependem de como experiências passadas foram elaboradas e transformadas em modos de vinculação. O aspecto conquista poderá ter menos força que o aspecto compreensão.

A relação poderá então se manter por tempo suficiente para que a experiência presente corrija as distorções do passado. O reconhecimento do uso da conquista como defesa contra a frustrante sensação de falta de intimidade facilitará a preservação e o desenvolvimento da relação.

* Nahman Armony, médico psicanalista, é membro da Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle (Spid), do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro e da Federação Internacional das Sociedades Psicanalíticas. Publicou, entre outros livros, Borderline: Uma Outra Normalidade.


Parceiros que se divertem correm menos perigo de cansar a relação

Após algum tempo, há namorados e casados que se entregam ao conformismo e à passividade — em sua opinião, efeitos inevitáveis da união prolongada. Brincar, divertir-se e continuar experimentando o frescor da vida seriam ingenuidades do passado ou de quem está sozinho. Mas essa melancólica atitude esconde um perigo presente nas relações: a corrosão do vínculo.

por Paulo Sternick*

Uma piada ilustra a caricatura socialmente compartilhada a respeito da duvidosa alegria que duas pessoas podem sustentar após algum tempo juntas. A mulher comenta com o parceiro, ou vice-versa, que não há nada interessante para verem naquele dia na televisão e sugere: “Que tal se saíssemos e fôssemos nos se divertir?” O outro concorda: “Excelente idéia! O primeiro que voltar deixa a chave debaixo do capacho”.

Essa visão pessimista do casal, entediado e sem esperança no prazer conjunto, incapaz de curtir a vida e invejoso da condição avulsa, retrata só uma faceta da realidade de pares que vivem unidos faz muito tempo. Há outros que, embora se desanimem aqui e ali, em vários momentos conservam a vitalidade e a alegria espontânea de viver e se divertir a dois. A piada serve de advertência para o que poderia ser a máxima da auto-ajuda: casal divertido jamais será vencido!

Mas é curioso que a maioria dos conselhos nesse sentido não considera que, para que isso ocorra, é preciso que eles estejam bem consigo próprios, e um com o outro, e encontrem satisfação recíproca. Já imaginaram: saírem para se divertir porque o psicólogo mandou, cada um mais frustrado do que o outro — e com aquela tromba? Na verdade, a saúde do casal pode ser medida pela disposição dele e dela de aproveitar a vida juntos, pelo vigor das iniciativas espontâneas de lazer e entretenimento. Distrair também tem o sentido de se afastar de certa direção — e esta pode ser o desgaste a que estão sujeitas as convivências. A corrosão cerca todas as atividades humanas.

Isso é o que Sigmund Freud chamava de pulsão de morte, que se opunha às forças do amor e da vida. Deixar-se arrastar pelas ondas negativas é sinal de que algo vai mal, sendo necessário até buscar auxílio especializado. Se todos estamos sujeitos a derrapar nas armadilhas da corrosão, o que diferencia o saudável do patológico é aquilo que se faz para deter ou acentuar o processo e quais providências se é capaz de tomar para dar a volta por cima. Há sabedoria em contornar os impasses que se avizinham e administrar os limites frustrantes que impedem a (impossível) plenitude da satisfação e da felicidade. Elas não são ilimitadas e o amor está sujeito a altos e baixos.

Distrair-se também tem o sentido de se desviar de uma inclinação negativa, o divertir-se é o desejo da vida que pulsa a dois, “mágica” com a qual podemos tornar relativas as nuvens do desânimo. Não se deve concedê-las a arrogância de querer tampar o céu, escondendo de nós o sol, as estrelas e a esperança. Mas o incrível é que há indivíduos que desmerecem a diversão, ignoram ou desprezam o riso e sacrificam a alegria ao rígido cumprimento do dever — como se só assim fossem pessoas sérias! São é seriamente amargos.

O casal, porém, deve se precaver de se submeter a uma ordem que emana da doida cultura em que vivemos. A ordem é: divirtam-se! Pulem, dancem, riam, beijem, transem — tudo isso para, enfim, passar a verdadeira mensagem mercadológica: consumam! É mais saudável proteger a singularidade e se divertir com aquilo de que se gosta. O divertimento, aliás, não deve servir para nos distrair, no sentido de tirar o foco do que temos de pensar sobre nossa vida e a relação do casal.

Distração não é fuga, tóxico nem remédio. E, para se divertir a dois, ele deve estar atento às preferências dela, e ela às dele. Isso é um sinal de atenção de um para com o outro e de harmonia do casal.

* Paulo Sternick é psicanalista no Rio de Janeiro e em Teresópolis (RJ). E-mail: psternick@rjnet.com.br



Amizade entre o homem e a mulher é possível quando existe maturidade

Aqueles que duvidam da viabilidade de um relacionamento intersexual apenas afetivo, sem a presença da sensualidade, demonstram ter dificuldades com as manifestações do sexo oposto em si mesmos. Por esse motivo, eles acabam caindo tanto em generalizações quanto em preconceitos que só fazem afastá-los de um tipo de amor alegre, leal e desinteressado.
por Alberto Lima*



Em toda a minha experiência profissional, nunca vi um único homem duvidar que fosse possível haver amizade — entenda-se “relação não sexuada” — entre homem e mulher. Mas me impressiona o número de mulheres que manifesta essa dúvida. Em geral, ao se referir à questão, elas formulam uma pergunta – “Você acha meeeeeesmo possível haver amizade entre um homem e uma mulher?” –, mas para o interlocutor fica claro que ali há uma afirmação, não uma indagação. Tais mulheres não acreditam nesse tipo de amizade por entenderem que entre gêneros as modalidades de relação possíveis são o “coleguismo” superficial (o cara não interessa a ela como parceiro sexual nem como amigo), ou, no plano de uma relação mais pessoal e íntima, um interjogo sedutor, que mira a sexualidade.

A mulher que se norteia por esses entendimentos costuma atribuir ao homem o apetite sexual, como se o desejo fosse prerrogativa masculina, restando a ela só a chance de “ser desejada”.
Essa crença faz lembrar outras, como as de que “homem nenhum presta” ou “os homens, por definição, são uns sacanas”, generalizações representativas de uma forma de manifestação do masculino na psique feminina, o masculino específico da mulher — a que Carl Jung deu o nome de animus — naquilo que tem de mais negativo. A mulher que pensa assim parece se esforçar para compreender o mundo e as pessoas, mas o faz de modo preconceituoso, além de apresentar o resultado de suas observações precipitadamente. Ela assume como “pertencente ao mundo e ao outro” aquilo que é conteúdo seu, mecanismo a que se dá o nome de projeção. Se experimenta em si uma motivação sexuada diante do estímulo “homem”, não vê esse movimento como seu. Mais do que isso, não concebe a idéia de um Eros vincular, ou seja, não admite a possibilidade de um vínculo hetero-afetivo.


Para ela, se é hetero, só pode ser heterossexual. E se o homem mantém a relação em bases afetivas algumas põem em dúvida sua virilidade.
Curioso é que uma das coisas que as mulheres mais admiram nos homens, como demonstro em livro a ser publicado em breve, é a amizade entre eles. Diferentemente do que ocorre nas relações de amizade entre mulheres, vistas por elas mesmas como mais competitivas, elas ressaltam a beleza do amor que há entre os homens, a lealdade, o quanto se divertem juntos, ou seja, admitem que sejam relações homoafetivas, sem que tenham de ser homossexuais. Por outro lado, têm dificuldade em transpor para o plano do relacionamento homem-mulher o mesmo tipo amigo, leal e divertido de amor. O homem, por sua vez, não costuma encontrar dificuldade nesse tipo de transposição.


Isso não significa que não haja homens sexistas. Claro que há. Mas homem sexista, ou seja, que cai matando sexualmente em cima de uma mulher, sem com ela desenvolver uma relação humana mais plena, também tem sérios problemas com o feminino específico do homem (anima, para Jung). Onde a mulher imagina estar um homem, é provável que esteja um troglodita jurássico.

Resumo da ópera: mulheres maduras e amorosas vêem homens como possíveis amigos. Homens maduros vêem mulheres como possíveis amigas. Mulheres imaturas vêem homens como puro instinto; homens que são puro instinto não se relacionam com mulheres inteiras. Homens imaturos vêem mulheres como mero corpo; mulheres que são mero corpo não se relacionam com homens inteiros.

* Alberto Lima, psicoterapeuta de orientação junguiana, é professor-doutor em Psicologia Clínica e autor de O Pai e a Psique (Editora Paulus).


Boa relação é aquela em que os parceiros se amam e se libertam

A comunicação entre amantes precisa ser sincera e espontânea. Mas alguns vivem a repetir frases como “Eu te amo” sem dar tempo de o parceiro retribuir. Outros, inseguros, questionam sempre o par a respeito de seu amor. Isso estressa o casal, aprisionando a ambos e diminuindo a gratificação da vida conjunta. A boa relação, porém, deve favorecer a liberdade e o prazer.

por Joaquim Zailton Motta*

O recado mais importante que pode existir entre os pares é esta sublime declaração: “Eu te amo”! É uma comunicação excelsa, sagrada, pois implica nosso mais nobre sentimento e expressa o que existe de melhor no coração afetivo, reduto anímico do ser humano.
Toda interação que pretende comunicar algo necessita de boa vontade bilateral. Aquele que fala deve ser claro, expressivo, autêntico, sem ruídos concorrentes, para bem transmitir; e o que escuta tem de abrir os ouvidos, limpar o cérebro, dar crédito, para bem receber.


Em todas as áreas de atividade humana, temos observado grande dificuldade de comunicação. Os alunos se queixam dos professores inacessíveis ou relaxados; os pacientes não são entendidos pelos médicos; pais e filhos não conseguem a boa paciência que os integrem; namorados e cônjuges se sentem mutuamente incompreendidos.
À medida que recados objetivos, lições concretas, queixas funcionais têm a chance de ser avaliados de outra maneira, o prejuízo se atenua. O estudante safa-se com a internet, o doente revela-se na ultra-sonografia.


E quando se fala em subjetividade emocional?
O recado que vem da alma não pode conter inspiração hipócrita nem embutir cinismo. É indispensável que seja espontâneo, livre e sincero. Da fonte da melhor transmissão amorosa deve jorrar sentimento puro, com ética irreparável e caráter virtuoso. Quem capta a mensagem amorosa não pode exagerar nas expectativas nem favorecer a sua vaidade. O ego amado deve agir como alvo de recepção simples e comedido, sem investir na pretensão de exclusividade nem de ser idolatrado.


Infelizmente, nossa mais insigne comunicação afetiva não tem sido bem respeitada. Em muitas situações, quem declara que ama escorrega levianamente; em outras, quem é contemplado com a revelação se arvora de um valor absurdo, indevido.


O pior entrelaçamento é o que alimenta o ciúme, estimula a exigência, tira a liberdade. Um par insiste na pergunta: “Você me ama?” Já ouviu várias vezes que sim, mas, inseguro, precisa sempre confirmar. Um outro faz a declaração dia e noite, não dá tempo para a pessoa amada retribuir, como se não acreditasse nas expressões dela e falasse em seu nome. Terríveis são os que se ostentam de entendidos no amor, verdadeiros professores de afeição, que se dizem convictos do amor ou do desamor do outro: “Imagina que não me ama, eu sei que sou amado”... Ou ainda: “Não acredito, tenho certeza quando eu sou amado”...


Bob Marley dizia que “há pessoas que amam o poder e outras que têm o poder de amar”. Essa é a grande diferença entre a pessoa que exerce o amor e a que controla o amor do outro. A demanda para controlar o amor é mobilizada pelo medo. Garantindo-se com o poder sobre o outro, a pessoa sufoca o medo. Isso estressa os pares: aprisiona os dois e diminui a gratificação do casal.


O exercício do amor, ao contrário, quanto mais natural, mais se distancia dos temores, favorecendo a liberdade e o prazer. A boa relação ocorre no casal que se ama e se liberta. Sentir-se livre e bem-acompanhado é a melhor fruição a dois. Isso ocorre quando os pares se amam e não se cobram amor. Para eles, o “eu te amo” leva o verdadeiro sentido do melhor afeto e, implícita, a mensagem “Eu te liberto”!


* Joaquim Zailton Motta, médico psiquiatra, psicoterapeuta e sexólogo, articulista da coluna Sexualidade, do jornal Correio Popular, de Campinas (SP), foi professor do curso de especialização em Sexualidade Humana na Unicamp e do Departamento de Neuropsiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da PUC.

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